segunda-feira, 31 de maio de 2021

A via-crúcis da terceira via

 Por  Eduardo Affonso arquiteto e colunista de O Globo

Bolsonaro é a segunda pior coisa que já aconteceu ao Brasil. A pior foi Lula, que, além de tudo, nos legou Bolsonaro - uma “herança maldita” que corre o risco de se prolongar por mais quatro anos. O ex e o atual presidente se tomam mutuamente como antimodelos (no popular, como bicho papão). Mas se retroalimentam: um é o esmeril onde o outro afia as garras.

Lulopetismo e bolsonarismo, hoje apresentados como os únicos caminhos politicamente viáveis, estão longe de ser simétricos, mas não são assim tão antagônicos. Vão dar no mesmo lugar: a negação da política, o desprezo pelo diálogo.

A expressão “terceira via” não ajuda muito. Ficou marcada como um Frankenstein com cérebro de capitalista e coração socialista. Mas aqui nomeia algo que nos liberte de um círculo vicioso, de uma espiral de hostilidade que torna a cada dia mais difícil desfazer o nó do “nós x eles”. Conseguimos não nos unir nem mesmo diante de uma pandemia que já matou quase meio milhão de brasileiros – ao contrário, encontramos nela combustível para nos afastar ainda mais.

Terceira via (ou quarta, ou quinta) não é a média aritmética dos extremos: é um vasto campo de possibilidades. Não é um muro sobre o qual os indecisos se acomodam para não tomar partido: é de onde se pode ver quão próximas estão as pontas da ferradura, e escolher não estar em nenhuma delas. É rejeitar a estridência das militâncias e optar por um sistema no qual todas as vozes sejam ouvidas. No lugar do “um manda, o outro obedece”, escolher a argumentação e o convencimento.

Construir uma terceira via significa sair do simplorismo do branco ou preto e contemplar a complexidade de uma escala Pantone inteira. Buscar a pluralidade e escapar da “alternância de poder” entre um Centrão comprado pela esquerda mais venal e o mesmo Centrão aliciado pela direita mais torpe.

É um “caminho do meio” que pode até não levar ao Nirvana, mas nos livrará da tirania mal disfarçada do populismo.  E de falácias, como insistir que a responsabilidade por todas as mortes em decorrência da Covid caiba ao atual governo –inepto, errático e irresponsável – sem considerar que, mesmo com os melhores quadros e as melhores práticas, parte das perdas humanas seria inevitável. Ao mesmo tempo, não cogitar de quantas vidas teriam sido poupadas se os bilhões de reais desviados nos governos anteriores tivessem sido investidos em saúde, segurança, educação, infraestrutura, geração de emprego.

 Negacionismo e milícias matam. Corrupção e ineficiência também.

Ainda há tempo de viabilizar uma alternativa cujo projeto político seja de reformas, não de manutenção de privilégios. Que não transforme distribuição de renda em curral eleitoral. Que seja capaz de transcender o antipetismo e o antibolsonarismo, e evitar que o país continue refém de um jogo maniqueísta cujo resultado sabemos – na carne - qual é.

Reelaborando o primeiro parágrafo, Lula é a segunda pior coisa a ter acontecido ao Brasil. A pior terá sido Bolsonaro – porque é por causa dele que corremos o risco de ter Lula de volta.

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