Por Eduardo Affonso arquiteto e colunista de O Globo
Bolsonaro é
a segunda pior coisa que já aconteceu ao Brasil. A pior foi Lula, que, além de
tudo, nos legou Bolsonaro - uma “herança maldita” que corre o risco de se
prolongar por mais quatro anos. O ex e o atual presidente se tomam mutuamente
como antimodelos (no popular, como bicho papão). Mas se retroalimentam: um é o
esmeril onde o outro afia as garras.
Lulopetismo
e bolsonarismo, hoje apresentados como os únicos caminhos politicamente
viáveis, estão longe de ser simétricos, mas não são assim tão antagônicos. Vão
dar no mesmo lugar: a negação da política, o desprezo pelo diálogo.
A expressão
“terceira via” não ajuda muito. Ficou marcada como um Frankenstein com cérebro
de capitalista e coração socialista. Mas aqui nomeia algo que nos liberte de um
círculo vicioso, de uma espiral de hostilidade que torna a cada dia mais
difícil desfazer o nó do “nós x eles”. Conseguimos não nos unir nem mesmo
diante de uma pandemia que já matou quase meio milhão de brasileiros – ao
contrário, encontramos nela combustível para nos afastar ainda mais.
Terceira
via (ou quarta, ou quinta) não é a média aritmética dos extremos: é um vasto
campo de possibilidades. Não é um muro sobre o qual os indecisos se acomodam
para não tomar partido: é de onde se pode ver quão próximas estão as pontas da
ferradura, e escolher não estar em nenhuma delas. É rejeitar a estridência das
militâncias e optar por um sistema no qual todas as vozes sejam ouvidas. No
lugar do “um manda, o outro obedece”, escolher a argumentação e o
convencimento.
Construir
uma terceira via significa sair do simplorismo do branco ou preto e contemplar
a complexidade de uma escala Pantone inteira. Buscar a pluralidade e escapar da
“alternância de poder” entre um Centrão comprado pela esquerda mais venal e o
mesmo Centrão aliciado pela direita mais torpe.
É um
“caminho do meio” que pode até não levar ao Nirvana, mas nos livrará da tirania
mal disfarçada do populismo. E de
falácias, como insistir que a responsabilidade por todas as mortes em
decorrência da Covid caiba ao atual governo –inepto, errático e irresponsável –
sem considerar que, mesmo com os melhores quadros e as melhores práticas, parte
das perdas humanas seria inevitável. Ao mesmo tempo, não cogitar de quantas
vidas teriam sido poupadas se os bilhões de reais desviados nos governos
anteriores tivessem sido investidos em saúde, segurança, educação,
infraestrutura, geração de emprego.
Negacionismo e milícias matam. Corrupção e
ineficiência também.
Ainda há
tempo de viabilizar uma alternativa cujo projeto político seja de reformas, não
de manutenção de privilégios. Que não transforme distribuição de renda em
curral eleitoral. Que seja capaz de transcender o antipetismo e o
antibolsonarismo, e evitar que o país continue refém de um jogo maniqueísta
cujo resultado sabemos – na carne - qual é.
Reelaborando
o primeiro parágrafo, Lula é a segunda pior coisa a ter acontecido ao Brasil. A
pior terá sido Bolsonaro – porque é por causa dele que corremos o risco de ter
Lula de volta.
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