Carlos
Alberto Sardenberg
“Sessão
de psicanálise, você diz: sonhei com Fulano/a, e não foi um sonho erótico.
Danou-se.
O/a analista já sabe: foi erótico.
É
clássico.
Vários
ministros do STF que votaram pela anulação das condenações de Lula
imediatamente acrescentaram: atenção, não vale para os demais casos.
Ou seja,
vale”.
Comecei
assim a coluna de 17 de abril passado. Naquele momento, o caso de Lula estava
no seguinte ponto: o ministro Fachin, relator, havia decidido que o foro
adequado para o julgamento de todos os casos de Lula era Brasília e não
Curitiba, sede da Lava Jato. Assim, os processos estavam cancelados e deveriam
recomeçar da estaca zero.
Queria
evitar, com essa manobra, que a segunda turma do STF julgasse a suspeição de
Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá.
Não
funcionou. A segunda turma seguiu esse julgamento e por 3 a 2, numa votação
liderada por Gilmar Mendes, considerou Moro suspeito e anulou a condenação no
caso do apartamento do Guarujá.
De novo,
vieram com a lorota de que só valia para aquele caso. Mas o caso foi ao
plenário do STF – e este decidiu, por 7 votos a 4, manter a decisão da segunda
turma: que Moro havia sido parcial na condenação de Lula no caso triplex. Só se
tratou desse caso.
Pois no
dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes já tinha pronto uma decisão declarando
Moro suspeito e parcial em todos os casos envolvendo Lula – o triplex, o sitio
de Atibaia, o terreno para o Instituto Lula e o apartamento de São Bernardo.
O que há
de comum em todos esses passos? Simples: em nenhum momento se discutiu se Lula
era culpado ou inocente. As decisões de Moro, confirmadas em duas instâncias
superiores, diziam: o triplex foi doado a Lula e reformado pela OAS sob
orientação do ex-presidente e sua mulher, dona Marisa; a Odebrecht reformou o
sítio de Atibaia, em presente para o ex-presidente; a Odebrecht comprou um
terreno para ser a sede do Instituto Lula.
Tudo isso
baseado em provas materiais abundantes e delações de executivos de empreiteiras
envolvidas.
Foi assim
mesmo ou é tudo mentira? A resposta do STF é mais ou menos assim: isso não é
com a gente; o que sabemos é que Moro não devia ser o juiz e o foro não devia
ser Curitiba; logo, volta tudo para o ponto de partida.
Reparem:
Lula não foi inocentado. Denúncias e processos, em tese, recomeçam, mas
obviamente vão prescrever, sem julgamento.
Fica só
no ex-presidente?
É claro
que não. Todos os demais condenados pela Lava Jato, em casos de algum modo
conexos aos de Lula, e praticamente todos são, poderão requerer os mesmos
benefícios. Seria Moro um juiz parcial – como decidiu o STF – apenas com Lula?
Por que não teria sido igualmente parcial com Eduardo Cunha ou Marcelo
Odebrecht?
Vamos
falar francamente: não se trata apenas de Lula, nem da Lava Jato. O movimento
em questão, com a liderança de Gilmar Mendes, tem o claro objetivo de desmontar
todo o sistema de combate à corrupção.
Interessante
que o presidente Bolsonaro, eleito com a bandeira da Lava Jato, está também
empenhado em controlar e fragilizar os órgãos de combate à corrupção, como o
Ministério Público, a Polícia Federal e o Coaf.
Isso
ocorre porque o combate à corrupção foi longe demais, no bom sentido. Começou a
apanhar os intocáveis, os donos das fazendas, como diria Roberto DaMatta. Ou
como já se disse, numa ótima definição: “Na verdade, o que se instalou no país
nesses últimos anos, e está sendo revelado na Lava-Jato, é um modelo de
governança corrupta. Algo que merece o nome, claro, de Cleptocracia”.
Autoria
de Gilmar Mendes, lá atrás. “Onde foi parar esse juiz?” – perguntou DaMatta em
coluna neste jornal. Acrescento: e por que foi parar onde parou?
Fatos
novos, certamente. Mas tão graves assim a ponto de levar ao desmonte de todo o
sistema anti-corrupção, numa clara combinação entre Judiciário e Congresso?
Em
https://sardenberg.com.br